Todos se lembram bem do período da História brasileira que retrata a chegada dos portugueses e o primeiro contato deles com os indígenas que aqui habitavam – cerca de 5 milhões à época. Os nativos foram presenteados com uma variedade de bugigangas. Espelhos, colares, pentes, miçangas! Artigos encantadores para quem vivia longe da civilização. Tudo em troca da exploração. Engodados pela novidade e persuadidos pelo discurso do benefício tiveram que cortar Pau Brasil para a coroa portuguesa.
Com o mesmo discurso e 500 anos depois, a história se repete. Pregando inovação, tecnologia, modernidade e superioridade, a Uber está convencendo muitos de que seus serviços representam a melhor opção para os cidadãos que precisam se locomover. Pelo poder do marketing convence motoristas a se tornarem “ parceiros ” , impregna o conceito de salvadores da mobilidade urbana e se posiciona como vítima de uma perseguição injusta. A empresa Uber pratica dumping sem dó nem piedade; sonega meio milhão de reais mensais em impostos para o município; desrespeita o Código de Defesa do Consumidor (“tarifa dinâmica” e pagamento só com cartão são coisas ilegais) e coloca em risco a vida de milhares ao não vistoriar seus carros.
Com obrigações financeiras definidas em lei, os taxistas sofrem a agressividade de uma concorrência desleal travada pela gigante americana que nasceu em uma startup e ganha seu dinheiro transportando pessoas . É nesse contexto que temos uma atividade sem a tutela do Estado, praticada por uma empresa que impõe suas regras, estabelece valores e se auto-fiscaliza. Sem escritório em Goiânia, seus dirigentes se furtam ao debate público e sequer podem ser encontrados. Deixam na fogueira até seus motoristas “parceiros” que, sem poder de decisão, ficam reféns de um discurso preestabelecido pela multinacional.
Em muitos países da Europa transportar vidas é coisa séria. Na França, a empresa Uber está sendo multada e banida. Amsterdã, Madri, Bruxelas, Deli, Sydney e a cidade americana do Texas, Austin, impuseram um regulamento mais severo e a empresa decidiu sair. No Brasil a plataforma já enfrenta questionamentos do Ministério Público do Trabalho de São Paulo e outras ações começam a pulverizar em diversas regiões. A sociedade precisa se perguntar com urgência: vamos reviver a história na modernidade? Tomara que a música da banda Legião Urbana não vire refrão dos brasileiros:
“Quem me dera, ao menos uma vez, como a mais bela tribo, dos mais belos índios, não ser atacado por ser inocente”
Hugo Nascimento
Professor, historiador e presidente da Associação dos Permissionários de “ Táxi de Goiânia
Fonte: O Popular – Impresso – Flip